CARTA A CLINT EASTWOOD
Caro Clint
Já faz algumas horas que assisti a “Gran Torino”, e continuo tão impactado pelo filme que decidi, ao invés de fazer a crítica, lhe escrever esta carta. Ao contrário de Walt, seu personagem, não tenho medo de me confessar. Me desculpe, mas neste momento não conseguirei atingir o distanciamento emocional e a frieza analítica que muitos julgam necessários para o exercício crítico. Se eu meramente dissecasse aspectos técnicos, artísticos e estéticos de “Gran Torino”, não estaria fazendo jus à maneira como absorvi seu filme.
Tenho por hábito evitar qualquer informação mais detalhada sobre um filme antes de assisti-lo. A única coisa que sabia de “Gran Torino” era que você havia declarado que seria sua despedida como ator. Nada mais justo que você tivesse direito à aposentadoria, depois de tantas décadas de personagens inesquecíveis, como o cavaleiro solitário dos faroestes de Sergio Leone, o implacável Dirty Harry, os sábios durões de seus filmes pós-“Os Imperdoáveis”. Se serve de consolo, você está cada vez melhor como diretor, e parece que planeja continuar dirigindo.
Desde a primeira cena de “Gran Torino”, na missa pela recém-falecida mulher de Walt, o filme já começa a nos ganhar com as mesmas características reconhecíveis em seus melhores trabalhos: a narrativa clássica, os movimentos de câmera sem firulas nem maneirismos, tudo a serviço de uma história consistente, sólida, em que o que se está contando tem tanta importância quanto quem está dando vida a ela, na frente e atrás das câmeras. Não sei se você vai concordar comigo, mas o comportamento de Walt com o jovem “china” me lembrou muito a rude doçura de Takeshi Kitano.
Mal tinham transcorrido sei lá, uns 20 minutos, e eu, como espectador, já estava absorto pelo personagem de Walt Kovalski. Que poder de síntese você tem, Clint, para em tão pouco tempo nos tornar tão próximos de sua criação. Após aquela cena brilhante em que Walt livra a menina da ameaça da gangue de negros, eu já estava profundamente emocionado. Menos pelo que a cena representava em si, e mais pelo significado da sua presença ali. Naquele momento caiu a ficha de que podia ser a última vez que eu era presenteado com uma performance inédita de Clint Eastwood. E o prazer que a sua atuação proporcionava me lembrava do fascínio que o cinema ainda pode exercer sobre mim.
Os olhos cheios de lágrimas eram conseqüência da sensação, cada vez mais rara, de ter o privilégio de estar testemunhando, no tempo presente, algo histórico como a despedida de um mito. Ainda mais porque “Gran Torino” não é apenas um filme sobre a inevitabilidade da morte, reiterada a todo instante. “Gran Torino” é também um filme sobre alguém que prepara a sua despedida. Uma despedida triunfal em virtude das conseqüências geradas por ela, mas também uma despedida triste e desesperada frente à constatação de que não há maneira melhor para tentar consertar um mundo de tantas coisas erradas, um mundo onde o Saber virou arma inútil e inofensiva.
Que bom que você ainda consegue enxergar espaço neste mundo para seguir trabalhando como diretor. Você ainda tem muito o que dizer. Se esta foi realmente a sua despedida como ator, saiba que não poderia ter sido mais à altura de tudo o que você representa. Com “Gran Torino”, você conseguiu reacender em mim a crença de que o cinema ainda pode emocionar de forma sincera. E isso, acredite, não é pouco.
Obrigado, Clint.
domingo, 26 de julho de 2009
A TROCA

Finalmente assisti ontem à noite, em DVD, “A Troca”, de Clint Eastwood. O filme me faz reforçar tudo que disse naquele texto emocionado sobre “Gran Torino”, e me deixou impressionado com a vitalidade de Clint por trás das câmeras. Que vigor narrativo seu filme tem! Praticamente tudo ali poderia ter recebido um tratamento banal, típico daqueles filmes que se escoram na premissa “baseado em fatos reais” como se isso bastasse para garantir qualidade. A mãe em busca do filho desaparecido, a polícia corrupta, o hospital psiquiátrico que é um centro de torturas, o serial killer debochado… já vimos isso milhares de vezes no cinema hollywoodiano, mas Clint Eastwood, mesmo sem abrir mão de seu estilo narrativo clássico, consegue fazer com que tudo pareça tão fresco, envolvendo o espectador e despertando nele a capacidade de se indignar com as injustiças mostradas na tela.
Nos extras do DVD, há um pequeno “making of” em que os atores elogiam o jeito peculiar de Clint Eastwood dirigi-los: ao invés de gritar “ação!”, ele simplesmente diz, baixinho, “vamos lá, prossiga, fulano”, de forma que o ator embarque na cena com mais naturalidade. O próprio Clint explica que aprendeu isso nos filmes de western que fez, em que o diretor (Sergio Leone?) não gritava “ação!” para não assustar os cavalos, apenas pedia aos atores que prosseguissem seus movimentos naturais para que a câmera fosse ligada. Dá certo. Eastwood costuma trabalhar com um ou dois nomes conhecidos no elenco, mas o conjunto de atores de seus filmes sempre tem atuações destacadas. Em “A Troca” não é diferente.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
VOLVER

Eleito o melhor filme de 2006 pela Federação Internacional de Críticos de Cinema (FIPRESCI), “Volver”, como o título anuncia, significa a volta de Pedro Almodóvar a uma série de elementos que marcaram sua cinematografia, depois de um rápido flerte com a estética noir em “Má Educação”. No universo predominantemente feminino que ele conhece como poucos, carregado em tom vermelho sangue, estão lá os elementos cômicos absurdos de seus primeiros filmes, combinados com a sensibilidade melodramática das obras-primas “Tudo Sobre Minha Mãe” e “Fale Com Ela”. Também é a volta de Almodóvar à sua cidade natal, a mesma La Mancha de Don Quixote, de onde ele saiu ainda garoto, mas que deixou na lembrança a maneira peculiar com que seus parentes e vizinhos lidavam com a morte. Esse lugar, onde os mortos permanecem vivos não só na memória como no cotidiano dos moradores, em gestos um tanto peculiares, é o cenário perfeito para o cineasta que fez, da dificuldade de aceitação da morte, seu tema preferido nos últimos anos.Almodóvar ressuscita uma de suas musas, Carmen Maura (com quem não trabalhava há 17 anos), para fazê-la brilhar no papel de Irene, a morta-viva que é reconhecível pelo odor da flatulência e se finge de cabeleireira russa. Penelope Cruz, em referência direta à Anna Magnani de “Belíssima”, de Visconti, com direito a enchimento nos quadris, faz da Raimunda espanhola a personificação da mulher forte e encantadora, passional e de coração frágil, capaz de se livrar de um cadáver com o mesmo encanto com que entoa um tango de Gardel. Em vários momentos, a trama de “Volver” pode parecer absurda, surreal até. Há mistério, humor, lágrimas. É Almodóvar tirando proveito de suas obsessões, passeando por gêneros distintos, da forma mais naturalista do mundo. Coisa de quem sabe, e muito.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
IR AO CINEMA: MISSÃO (CADA VEZ MAIS) IMPOSSÍVEL

ssim como muitos de vocês, eu também hoje penso duas vezes antes de ir ao cinema. Nem tanto pelo alto preço dos ingressos, por causa do cartão de crédito e da operadora de celular. O problema maior é a fonte de estresse que se tornou ir ao cinema, por conta da falta de educação da platéia. Gente que fica olhando o celular de 5 em 5 minutos e acendendo aquela luz irritante (sem contar os que atendem), gente que fica conversando o filme inteiro com o companheiro(a) como se estivessem no sofá de casa. Jovens baderneiros, adultos estúpidos (já viram como tem gente que não entende as coisas mais óbvias de certos filmes?) e velhinhos tagarelas...tá difícil ver cinema em silêncio, se concentrando no filme. É triste, porque eu gosto da tela grande. Acho que semana que vem eu consigo ver o “Benjamin Button”, talvez as salas já estejam um pouco mais vazias.
ps: O poster do filme Gritos Mortais - 2007
domingo, 25 de janeiro de 2009
PARA SEMPRE NA MINHA VIDA

Em 2003, o filme “O Último Beijo”, do diretor italiano Gabriele Muccino, fez grande sucesso no circuito alternativo brasileiro, fazendo com que chegasse até nós seu filme anterior, “Para Sempre Na Minha Vida”. Em “O Último Beijo”, Muccino impressionava pela lucidez com que conseguia captar os dilemas amorosos dos homens na faixa dos 30 anos. “Para Sempre Na Minha Vida” pode ser encarado como um preâmbulo deste, já que o enfoque está na descoberta da sexualidade por Silvio (Silvio Muccino, irmão do diretor e co-roteirista), um estudante secundarista. Os pais de Sílvio foram engajados no movimento estudantil durante a década de 70, quando havia muito o que protestar. Hoje os tempos são outros. Sílvio adere aos protestos de seus colegas de grêmio estudantil, que decidem ocupar a reitoria da escola à força para lutar contra “a privatização do ensino” e a “padronização da educação”. Empunham bandeiras vermelhas e vestem camisetas de Che Guevara, mas para muitos deles o que interessa é a farra – passar a noite na escola e conquistar garotas.
3 RAZÕES PARA VER “PARA SEMPRE NA MINHA VIDA”:
1. Gabriele Muccino realiza um filme fascinante e verdadeiro, perspicaz na forma de abordar o turbilhão de idéias e sensações que passam pela cabeça de jovens doidos para perder a virgindade com a garota de seus sonhos. Não há nada, aqui, que lembre aquelas comédias idiotas americanas, tipo “American Pie, A Primeira Vez É Inesquecível”. Talvez só o fato de os personagens pensarem em sexo como seus equivalentes hollywoodianos, mas, ao contrário dos filmes-pipoca, eles estão inseridos num contexto social e político que dá outra dimensão à obra.
2. Na primorosa seqüência da ocupação da escola, Muccino mostra como trabalhar com uma câmera ágil sem recorrer à ditadura estética do videoclipe.
3. O diretor consegue dar o seu recado, num tom extremamente carinhoso, de quão vazio e sem propósito se tornou o movimento estudantil, numa época em que as utopias são vendidas em lojas de grife. Embora isso seja apenas o subtexto de um filme onde o que interessa mesmo é o lado prazeroso do rito de passagem sentimental da adolescência para vida adulta.
TELA CHEIA x WIDESCREEN

Muita gente reclama – e com razão – quando um filme que foi realizado no formato cinemascope é apresentado com tela cheia, o que faz com que se perca parte da imagem. Fui informado pelo pessoal do Telecine que infelizmente eles nada podem fazer quanto a isso, já que são as distribuidoras que cometem o crime, enviando nesse formato. O mais incrível é que ainda se vê por aí gente que reclama das tarjas pretas em cima e embaixo da tela, usadas quando se consegue preservar o formato original. Será que elas não entendem que às vezes tal filme não foi feito pra ser exibido com a tela cheia, já que a tela de TV é diferente da de cinema? Revi recentemente “Carne Trêmula”, por exemplo, e todos os planos pensados por Almodovar para o formato widescreen foram por água abaixo. Em muitas cenas os rostos dos atores são cortados pra encher a tela. Ah, se o mundo fosse feito só de cinéfilos...
BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS

Lembro bem do dia em que assisti pela primeira vez a “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, . Enquanto os créditos de encerramento rolavam na tela, fiquei ali, chapado, remontando a história na minha cabeça enquanto viajava nas possibilidades imaginárias que o filme fornecia. Taí um filme CULT por excelência. Daqueles que você assiste uma, duas, três, quatro vezes e em cada uma delas vai enxergando novos significados, especialmente se visto em diferentes momentos da sua vida.
3 RAZÕES PARA VER “BRILHO ETERNO”:
1. A criatividade da dupla Charlie Kaufman (roteirista) – Michel Gondry (diretor). Kaufman também escreveu o ótimo “Quero ser John Malkovich”, Gondry é a mente por detrás da maioria dos delirantes videoclipes de Bjork.
2. Jim Carrey está contido nas caretas, e tem atuação comovente.
3. A regravação de Beck para a música “Everybody´s got to learn sometime”, do grupo The Korgis, é primorosa e junto com a trilha incidental de John Brion contribuem para o sucesso.
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