sábado, 24 de janeiro de 2009

Babel


Uma boa maneira de ajudar a mente a relaxar, para que “Babel” seja melhor digerido após a tensa e extenuante sessão, é tentar enumerar o maior número possível de mensagens embutidas no filme: a lista seguramente será tão grande quanto a pretensão do diretor Alejandro Iñarritu e do roteirista Guillermo Arriaga. Além da referência à passagem bíblica que dá nome ao filme - quando Deus se vingou dos que tentavam construir uma torre que atingisse os céus fazendo com que os trabalhadores passassem a falar línguas diferentes -, nos três segmentos que se interligam em “Babel” fala-se de solidão, dificuldades de comunicação, falta de solidariedade, aspectos difíceis da paternidade, amadurecimento pessoal, e, no campo político, de paranóia e desgoverno por parte das autoridades americanas.


. A vontade de atingir tantos alvos com uma única bala vem da urgência de um discurso pra lá de pessimista, como se os mexicanos Iñarritu e Arriaga vissem neste fecho da trilogia iniciada com “Amores Brutos” e “21 Gramas” a última possibilidade de disparar um tiro certeiro na cegueira política dos EUA e nos malefícios dos efeitos da globalização.

Se em “Amores Brutos” homens e cachorros já se igualavam em termos de selvageria, em “Babel” um disparo de espingarda utilizada para matar chacais desencadeia toda a sorte de tragédias. Uma única bala. A utopia de viver num mundo sem armas é tão utópica quanto chegar aos céus construindo uma torre gigante, mas só por desferirem seu petardo em pleno território inimigo (uma vez que “Babel” é estrelado por astros hollywoodianos) Iñarritu e Arriaga já podem se sentir um pouco vitoriosos.
Ideologias à parte, o filme é vigoroso e quase impecável em todos os seus aspectos técnicos. A edição de Stephen Mirrione e Douglas Crise é mais do que eficaz nas idas e vindas dos três eixos principais (ou quatro, se dividirmos a parte marroquina entre o drama do casal de americanos e o da família camponesa local), enquanto a fotografia de Rodrigo Prieto consegue traduzir as angústias de cada personagem em universos tão distintos. Seu trabalho chama a atenção em especial no episódio japonês, já que
a surdez e a mudez da personagem fazem com que as referências visuais muitas vezes falem por si mesmas.Como no momento em que, logo após Chieko ser desprezada pelo menino enquanto jogava fliperama, a câmera mostra os pés dela balançando e depois vai subindo até mostrá-la sentada na bancada da pia, no banheiro. É uma referência à forma clássica de filmar pessoas encontradas enforcadas, que sempre começa mostrando o enforcado a partir de seus pés, o que faz com que o espectador de “Babel” associe à personagem a idéia de suicídio, uma grande sacada para transmitir a mensagem a partir de uma única imagem.
A jovem atriz japonesa que interpreta Chieko, Rinko Kikuchi, é o grande destaque em um filme de grandes atuações, algumas delas de não-atores, como a dos meninos marroquinos e seu pai, outras de rostos desconhecidos internacionalmente – como o da atriz de TV mexicana Adriana Barraza, que interpreta a babá Amelia -, além de um Brad Pitt envelhecido. Aliás, vale ressaltar a louvável atitude do superstar Brad Pitt em aderir à causa dos realizadores, aceitando participar do filme, com isso possivelmente atraindo também a atenção de um público acostumado a consumir passivamente coisas como “Sr. e Sra. Smith”.
Se a causa é nobre, os resultados poderiam ter sido ainda melhores se o roteiro de Arriaga não cometesse certos deslizes, sendo o mais grave deles o de forçar uma certa barra para linkar o drama da adolescente japonesa aos outros dois episódios, usando como pretexto o fato de que a arma de onde saiu o tiro foi dada de presente por seu pai a um marroquino que lhe serviu de guia numa caçada turística. Nem mesmo a posterior revelação da possível causa da morte da mãe de Chieko por arma de fogo, reforçando a tese anti-armas dos realizadores, evita a impressão de que o drama de Chieko jamais se conecte ao que se passa no Marrocos ou na fronteira EUA-México.

É como se o filme mudasse bruscamente de tom a cada vez que a ação se desloca para o Japão, ganhando ares de drama intimista com mais delicadeza e pausas para reflexão, ao contrário da atmosfera de thriller de ação, de ritmo incessante, que predomina nos outros segmentos.
Se tal fato deixa a impressão de que Iñarritu e Arriaga poderiam ter feito um ótimo filme à parte só sobre Chieko, isso não tira o impacto e a importância de “Babel”, que pode ser reforçada por pequenas coincidências como o fato de Iñarritu ter recebido o Globo de Ouro de Melhor Filme das mãos do governador da California, o ator Arnold Schwarzenegger, que teve que ouvir do diretor uma oportuna piada sobre “seus papéis estarem em dia”, referindo-se à política de linha dura de Schwarzenegger em relação aos imigrantes mexicanos ilegais.
Talvez não caiba aqui ficar fazendo discurso contra a política de imigração americana e suas contradições, mas vale ressaltar um único diálogo do filme que resume com perfeição essa relação problemática EUA-México: é quando Amelia, mexicana que trabalha como babá em San Diego, argumenta que não poderá cuidar das crianças naquele dia porque tem que ir ao casamento do seu filho no outro lado da fronteira, e ouve seu patrão responder: “Preciso que você fique. Cancele o casamento, depois eu pago uma festa mais cara para seu filho”. Simples, não? Ele desliga em seguida, sem dar chance de resposta à sua escrava.

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